Muitas descobertas arqueológicas importantes realizadas na América Latina são precedidas por saques e roubos. Às vezes, boatos ou a introdução de artefatos distintos no mercado ilegal de antiguidades é um indício que um novo sítio arqueológico foi descoberto. Foi assim, com escavações ilegais perpetradas por huaqueros (caçadores de tesouros ilegais), que os arqueólogos chegaram a La Outra Banda, em Cerro de Animas no norte do Peru, a 48 km da atual cidade de Chiclayo.
Uma vez alertado pela autoridades peruanas, uma equipe de arqueólogos do Field Museum (Chicago-EUA), Pontifícia Universidad Católica del Peru e outras instituições, coordenada por Luís Muro Ynoñán – um arqueólogo peruano cuja família é oriunda da mesma região – mobilizou-se para realizar as primeiras investigações. As escavações foram aplicadas em um pequeno terreno de 10 x 10 metros, onde encontraram a apenas 1,80 metros de profundidade, um antigo muro feito de argila. Junto a ele, o que parece ser um templo e um “teatro” com uma pequena escadaria que daria acesso a um palco.
Além das estruturas, os arqueólogos desenterraram um painel elaborado esculpido com uma estranha criatura mitológica, que se assemelha muito a um pássaro antropomorfo, com uma mistura de ave, humano, felino e réptil. A criatura parece estar de olhos fechados, com uma mão no peito e a outra erguida diante da cabeça. O estilo da imagem lembra muito as encontradas em Cerro Sechín e Chavín de Huántar, onde adornos como cocares e outros eram representados em um plano diferente da figura principal.
As primeiras datações indicam que a construção pertença ao Período Inicial da ocupação Andina, entre 2 mil e 900 aC. A datação precisa ser confirmada, mas a arquitetura do lugar e o estilo da criatura mitológica já apontam para o início da ocupação humana na região, quando nasceram as primeiras conformações do que podemos chamar de “cultos religiosos” ou de alguma idolatria específica de forma continuada. Seriam as primeiras evidências de uma ocupação institucionalizada nos Andes.
Também existem evidências que o mesmo espaço tenha sido utilizado por diversos senhorios, em períodos distintos. Parte da arquitetura cerimonial se assemelha muito ao estilo Mochica (200 aC – 800 dC), onde foi encontrado um enterramento de uma criança de 5 ou 6 anos de idade, aparentemente sacrificada. O estudo da ossada ainda carece de dados laboratoriais para a confirmação de seu contexto.
Ynoñán acredita que o local “poderia ter sido usado para realizar performances ritualísticas diante de um público seleto” (CNN Brasil), e se mostrou surpreso que uma estrutura tão antiga estivesse a tão pouca profundidade na terra. Se a datação for confirmada na continuidade da pesquisa, La Outra Banda poderá se juntar a um seleto grupo de sítios arqueológicos que partilham características em comum em um período muito remoto, como Kotosh e Cerro Sechín. Mesmo que sua antiguidade seja confirmada, devemos anotar que antes do Período Inicial, já existiam assentamentos que permitiram os primeiros passos da criação administrativa Andina, datados de um período ainda mais antigo (5 a 3 mil aC) identificado como Período Pré-Cerâmico; e no qual se encontram sítios arqueológicos como Três Ventanas, Piquimachay, Caral e El Guitarrero.
Seja como for, as escavações poderão nos revelar um pouco mais sobre o início da religião andina, de suas crenças complexas, da cosmovisão de seus habitantes e do surgimento de uma casta que se moldou para administrar politicamente essas novas práticas sociais.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)