Ao estudar friamente a história da pirataria marítima no Caribe do século XVII-XVIII, percebemos que muitos dos notórios bandidos dos mares agiram por um curto espaço de tempo, e que muitas vezes não chegaram a colocar as mãos sobre tesouros expressivos. Este não é o caso de Henry Avery, um dos poucos piratas que fez história ao se aposentar com os frutos de seus roubos.
Henry Avery – também chamado Benjamin Bridgeman, John Avery, Henry Every ou Long Ben – foi um pirata inglês nascido em Newton Ferrers (Cornualha, Inglaterra) no ano de 1659. A data de sua morte é desconhecida. Com apenas 12 anos, trabalhava como aprendiz de marinheiro em navios mercantes. Com 29 anos de idade (1688) já com vasta experiência em navegação, ingressa na Marinha Real Britânica onde luta contra as forças francesas. É de conhecimento público que as condições dos marinheiros no século XVII-XVIII eram lamentáveis! Os homens constantemente comiam alimentos estragados, deixavam de receber os pagamentos prometidos e ficavam sujeitos aos perigos de uma batalha marítima, onde muitos perdiam membros amputados, quando não a própria vida. Colaborava com o quadro opressor da vida marítima as constantes punições públicas nos navios – de direito do capitão e seus superiores – representada por chicoteamento e prisões.
Essa situação deplorável pode explicar a busca de Avery por outra oportunidade, que veio na forma de uma frota corsária e comercial em 1693. Naquela época, o capitão Charles Gibson estava contratando homens para uma expedição de saque nas Américas; onde pretendia também negociar com os colonos espanhóis. Avery foi contratado como 1º Oficial do navio Charles II, armado com mais de 40 canhões. Contudo, questões políticas entre o dono da esquadra (James Houblon) e o governo espanhol determinou o fim do acordo de emprego entre os marinheiros e, consequentemente, sobre a promessa de pagamento que deveria ser feito a eles. A situação tornou-se de tal forma insustentável, que uma parte da tripulação decidiu se amotinar contra as autoridades e assumir o controle do navio Charles II – renomeado Fancy – e partir, por conta própria, a saquear no Oceano Índico.
Henry Avery foi nomeado por voto livre, o novo capitão do agora Fancy. Começava assim a prática da pirataria pelos antes marinheiros de comércio inglês. Com esta atitude, teve início uma prática relativamente democrática onde a tripulação decidia por votação, os desígnios de seu próprio futuro. Tudo – ou quase tudo – era decidido pelo voto e a distribuição do roubo era muito mais justo e equiparado do que os parcos salários que a marinha inglesa pagava. Posteriormente, esse sistema de administração interna nos barcos piratas seria aplicado ao longo do século XVIII com grande sucesso.
Uma vez no Índico, Avery almejou capturar uma grande presa, representada pela frota de tesouros que sairia do Iêmen (da cidade portuária de Mocha) com destino ao Império Mogol, um Estado independente que ocupou terras da atual Índia entre 1526 e 1857. Nessa frota, composta por 25 navios, estavam milhares de muçulmanos que retornavam de sua peregrinação a Meca e o espólio de negociantes entre Índia e Arábia. Contudo, Avery não foi o único a ter essa ideia. Ao se postar na saída do Mar Vermelho, ele encontrou outros três navios piratas e dois corsários ingleses. Entre os capitães estava Thomas Tew, um pirata que também se tornaria famoso na história. Ao invés de disputarem a presa, uniram-se numa confraria temporária.
O retorno desta união de forças veio poucos dias depois com a captura do Fath Mahmamadi, que lhes rendeu cerca de 60 mil libras em ouro. Apenas a título de comparação, o navio Fancy valia algo como 1.200 libras. Mas o grande prêmio viria com a captura do Ganj-i-Sawai, com impressionantes 80 canhões e 800 homens a bordo. De início, o capitão Muhammad Ibrahim tentou resistir, mas a explosão de um de seus canhões a bordo causou pânico na tripulação, que se assomou ao desabamento do mastro principal atingido por uma bala de canhão, dificultando a manobra do navio para o combate. Desesperado, o capitão Muhammad abandonou o comando para se esconder no porão, entre as concubinas que havia adquirido na Arábia. Os piratas tomaram o navio e descobriram com surpresa a presença do capitão entre as mulheres; surpresa esta que aumentou ao notarem que entre elas estava a neta do Imperador Mogol, que seguia para seu casamento acompanhada de suas donzelas e um enorme dote composto por riquezas de toda espécie! Se o Fath Mahmamadi havia fornecido 60 mil libras de lucro aos piratas, o Ganj-i-Sawai gerou mais de 150 mil libras em ouro, prata, joias e marfim, tornando a todos, homens ricos. Ocorria o ano de 1695.
Prevendo uma reação do Grande Mogol em busca de sua neta, os piratas liberaram o Ganji-i-Sawai com seus sobreviventes e fugiram em direção ao Caribe, onde se abrigaram na ilha de New Providence, em Nassau. Nesta ocasião, Avery usou o falso nome de Benjamin Bridgeman, subornando autoridades para permanecerem ocultos. Em seguida, cada membro da tripulação tomou um rumo diferente, carregando “debaixo do braço” a riqueza conquistada do Império Mogol. Alguns poucos piratas ficaram em New Providence, enquanto outros seguiram para Carolina do Sul e Pensilvânia no atual EUA. Avery e parte da tripulação voltaram a Inglaterra, adentrando sorrateiramente pelas cidades portuárias, ocultos pela escuridão, dispersando pelo interior, Irlanda e Escócia.
São muitas as histórias que falam sobre o destino final de Henry Avery. Alguns dizem que rumou para Devonshire (Inglaterra), enquanto outros à Escócia. Mas fato é que Avery racionalmente apagou sua rota e desapareceu na história com sua fortuna. Desta forma, tornou-se um herói e uma lenda entre os piratas do Caribe no século XVIII, um símbolo de esperança para marinheiros oprimidos e uma prova que a pirataria podia sim, dar frutos e tornar a vida de um homem simples em algo muito maior.
Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (https://clubedeautores.com.br/livros/autores/dalton-delfini-maziero)