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IPUPIARA – O MONSTRO MARINHO

13/06/2024 | Clic, Piratas dos Sete Mares

O monstro chamado IPUPIARA faz parte da mitologia marinha dos povos de língua tupi que moravam no litoral brasileiro dos séculos XVI e XVII. Segundo relatos de época, recolhidos pelos colonizadores portugueses, o monstro era também conhecido como “homem-marinho” ou “demônio-d’água”. Sua imagem habitou o imaginário colonial por muito tempo. 

A descrição desta criatura mítica está inserida na tradição naval da era do descobrimento, em especial entre os séculos XIV-XVIII, onde diversos relatos de seres desconhecidos e monstruosos surgem pela descrição de navegantes e marinheiros que os presenciavam em suas navegações. Deste período provém os casos de lulas gigantes, do ataque de baleias cachalote (Moby Dick), da serpente marinha e outros seres que se enquadram no estudo da criptozoologia, que investiga a aparição de animais até então desconhecidos (ou pouco conhecidos) e descritos de forma sensacionalista em suas respectivas épocas.

Segundo a descrição recolhida por Pêro de Magalhães Gandavo (1540-1580), cronista e historiador português, registrado na obra História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil (1576), o Ipupiara teria “quinze palmos de comprido e semeado de cabelos no corpo, e no focinho tinha umas sedas muito grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam em sua língua Hipupiara, que quer dizer demônio d’água”. As gravuras de época o retratam como sendo maior que um homem, da cintura para baixo formado por uma cauda de peixe (como uma sereia), e na parte de cima um corpo de homem com garras e uma cabeça de face monstruosa.

Embora a descrição de monstros metade homem, metade peixe sejam características do rio Amazonas, o Ipupiara habitava em especial o litoral de São Paulo. Ele então saia do mar para atacar homens e animais, agarrando-os com suas presas e arrastando-os ao fundo do mar de onde não mais voltavam. Por isso diziam no século XVI, na Capitania de São Vicente, que ele colecionava almas.

Estudiosos da biologia marinha e da criptozoologia chamam a atenção para a descrição do animal que se assemelha muito a de um Leão Marinho ou Lobo Marinho. De fato, o corpo coberto de pelos (cabelos no corpo), cerdas no focinho (sedas muito grandes como bigodes) e o tamanho de 3 metros (quinze palmos de comprido) descrevem esse animal que costuma sair do mar sobre as nadadeiras para caçar, levando sua presa de volta às onde é seu habitat. É um animal que pode se mostrar agressivo com a presença humana caso se sinta ameaçado. Na lenda registrada por Gandavo, uma índia avista o estranho ser saindo do mar na noite e chama seu mestre, um capitão que trava uma luta contra o ser “demoníaco”, golpeando-o na barriga com sua espada. O corpo do tal monstro, posteriormente, vira atração de toda vila que alimenta o ocorrido oralmente, fortalecendo a lenda.

Segundo o biólogo Fábio Olmos (autor do artigo “Ipupiara, Negro D’Água e Jaguaruçu, monstros das lendas coloniais”, 2014), é muito complicado tirar qualquer conclusão sobre essas histórias do período colonial, pois “sem provas documentais, uma estória é uma estória”, e nada mais que isso. Por outro lado, a Coroa Portuguesa mostrava pouco – ou quase nenhum interesse – no estudo da biodiversidade do Brasil Colônia. Podemos dizer que os primeiros séculos da colonização, tirando algumas iniciativas de outros países europeus, quase nada existente em nosso país foi estudado ou registrado. Sendo assim, seria possível que espécies nativas neste período fossem extintas ficando delas apenas descrições fantasiosas que geraram algumas de nossas mais antigas lendas? Desta forma, nossa biodiversidade teve que aguardar até meados do século XIX pela chegada de naturalistas europeus como Auguste de Saint-Hillaire (1779-1853), Carl F. P. von Martius (1794-1868), Johann Baptist von Spix (1781-1826), Maximilian zu Wied-Neuwied (1782-1867) para um registro e observação mais acurada de plantas e animais existentes em nossa terra.

A lenda do Ipupiara, em conjunto com outras que habitam o imaginário do antigo Brasil, alimenta a mitologia que envolve nosso mar e rios, repletas de entidades e seres que hoje fazem a alegria dos criptozoologistas, que procuram nesses relatos, detalhes de possíveis animais extintos ainda não descritos cientificamente.

Dalton Delfini Maziero é historiador, escritor, especialista em arqueologia e explorador. Pesquisador dos povos pré-colombianos e história da pirataria marítima. Visite a Página do Escritor (clique aqui) 

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