O descarte correto de resíduos começa na casa de cada um com a separação dos materiais que podem ser reciclados, o chamado lixo limpo, evitando que tudo seja despejado em aterros sanitários. Não faltam informações sobre o assunto, sobre a destinação correta, mas faltam iniciativas, políticas públicas dos governantes e vontade da população de fazer ‘a coisa certa’.
Para isso foi criada a Semana Lixo Zero, um evento nacional que nasceu para chamar atenção de um problema que todos conhecem, mas mesmo assim, cada dia fica maior e que exige soluções definitivas, antes que seja tarde demais.
Quem fala sobre o assunto nesta reportagem é o educador Arthur Rancatti, que realiza projetos de inovação para a sustentabilidade há mais de 10 anos.
É cofundador da Rastro Sustentabilidade e ESG e já capacitou mais de 10 mil pessoas em diferentes atividades.
Arthur é Embaixador Lixo Zero desde 2013 e coordena o coletivo Itajaí Zero.
Junto aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, é signatário desde 2016 e coordena a comunicação do Movimento ODS SC.
Acompanhe:
JP3 – Itajaí acaba de realizar a Semana Lixo Zero (SLZ). Qual a importância deste evento?
Arthur – É muito importante a Semana Lixo Zero de Itajaí, porque ela é uma ferramenta de educação ambiental. Além de ser um evento, ele é construído de forma colaborativa onde diversos atores, empresas públicas, privadas, escolas, Ongs, se juntam para promover a ação. É um calendário onde cada um promove uma ação, coloca na vitrine o que tem feito o ano todo para inspirar as pessoas. A Semana Lixo Zero é uma forma de inspirar as pessoas a melhorar a gestão de resíduos independente sendo público, privado ou uma escola.
JP3 – Esta foi a quinta edição do evento. Quais foram os principais destaques registrados?
Arthur – Os principais destaques registrados foram o encontro dos Composteiros de Itajaí e região, organizado dentro dentro do Viveiro Municipal de Mudas Nativas, onde falamos sobre gestão de resíduos orgânicos desviados de aterro é muito importante, porque eles são 50% daquilo que a gente manda para o aterro sanitário. Ou seja, metade do que a gente produz na nossa casa é resto de comida que, ao invés de ir para o aterro sanitário gerar metano, chorume, e passivos ambientais, ele volta para a terra como nutriente fortalecendo o ciclo da alimentação, valorizando a terra e todo esse ciclo dos alimentos, evitando que isso vá para o aterro sanitário.
Outro ponto muito importante foram oito palestras para jovens aprendizes do Instituto Crescer, lá falamos com eles sobre lixo zero e alimentação consciente, foram mais de 300 jovens nessa capacitação e outro destaque foi a Feira Lixo Zero, no último sábado (5), onde nove empreendimentos puderam expor seus produtos que são feitos de forma sustentável, como cosméticos naturais, feitos de plantas, livres de petróleo, com embalagens biodegradáveis e também a tradicional limpeza na Baía Afonso Wippel organizada pela Marina Itajaí, onde foram retirados em 2h, com mais de 200 voluntários, 700kg de lixo.
JP3 – Os organizadores fizeram uma extensa programação para a Semana, como foi a resposta da população?
Arthur – A população super aderiu à Semana Lixo Zero, todos os eventos tiveram sucesso de público. Ano passado foram dois mil participantes, acredito que esse ano superamos esse número. Aliás as pessoas que tem uma sensibilidade sócio ambiental estão carentes de eventos desse tipo, porque tudo é muito comercial, muito vendas e quando as pessoas encontram a SLZ, encontram ali um lugar de acolhimento, onde todos falam a mesma língua, de cuidado ambiental, cuidado das pessoas, a população tem essa necessidade de se envolver, até porque todo mundo está preocupado com as questões climáticas e quando encontram a SLZ é um alento, poder participar de um evento grandioso assim.
JP3 – Como descreveria o cenário do lixo na cidade hoje, as pessoas têm mais consciência ou a situação continua cada vez mais problemática?
Arthur – A situação é uma crise climática eu diria…primeiro, porque temos somente uma usina de reciclagem em Itajaí que não dá conta de todos os resíduos, não recicla nem 5% de todo material que recebe. Precisamos de investimento não só em educação ambiental e conscientização da população que carece desse serviço por parte da prefeitura, mas também de tecnologia, desenvolvimento de uma logística mais adequada de gestão de resíduos, além das campanhas de sensibilização, precisamos investir em desviar resíduos de aterro sanitário, através da reciclagem da compostagem. Então é um trabalho de duas linhas de frente juntas, educação ambiental para as pessoas separar o lixo, e o outro caminho, investir em logística de verdade dos resíduos.
JP3 – Quantas cidades catarinenses realizam a Semana Lixo Zero?
Arthur – Itajaí, Joinville, Florianópolis, Imbituba, Barra Velha, Jaguaruna, Ponte Alta, São José e Bombinhas.
JP3 – Qual tua opinião sobre esse problema no futuro?
Arthur – O futuro é muito incerto. Hoje com a crise climática, o aumento da temperatura média da Terra em 1,2 graus célsius, é muito delicado pensar em futuro nestas condições que estamos vivendo. Os especialistas dizem que se chegar a 1.5 em diante, a gente entra em um ponto de não conversão. Onde teremos perda de biodiversidade, alteração do ní
vel do mar em diversas regiões, áreas que eram desérticas começam a ter água, áreas que eram inundadas começam a ter seca, a gente está atrasado, a crise climática já vem sendo debatida desde a década de 80, os governos empurrando isso com a barriga, a população não recebendo informação de qualidade, então hoje chegamos a um momento de crise mesmo. A minha perspectiva é que as pessoas entendam o seu papel e sua responsabilidade compartilhada na gestão de resíduos. Não adianta a prefeitura investir em tecnologia e o cidadão não separar. Ou vice-versa. O futuro? Temos que ser otimistas, a tendência é muito delicada, tem a questão do micro plástico nos oceanos, nós humanos temos micro plástico em nossos organismos, é um fato. Todos nós temos, seja por vir na água, no ar, nos alimentos, na roupa que vestimos, é muito delicado.
JP3 – Estamos conseguindo conscientizar a população jovem, porque se ouve muito falar que o lixo será o maior problema da humanidade que as futuras gerações irão enfrentar?
Arthur – Tenho bastante preocupação com as futuras gerações, porque eles estão recebendo um planeta totalmente doente, um sistema sócio econômico super fragilizado, onde as pessoas são exploradas, o meio ambiente é explorado até a última gota dos rios, das florestas… As futuras gerações não podem receber isso como uma missão para eles resolver. Temos que fazer isso agora. Quem está em atividade econômica, governantes, todos nós. Tenho muito receio de como vai ser o futuro. Se não fizermos uma grande revolução agora da gestão de resíduos, a nossa cultura do cuidado do descarte, vamos ter problemas cada vez mais graves…
JP3 – Por que cidades turísticas como Balneário Camboriú não participam da Semana Lixo Zero?
Arthur – Balneário Camboriú já teve um coletivo muito forte, inclusive a SLZ era realizada em parceria com Itajaí, só que somos um grupo de voluntários, então às vezes falta braços, investimentos e nem sempre a coisa segue. Balneário Camboriú teria muito que ter uma SLZ, talvez não proposta somente pelo coletivo, mas pela própria prefeitura ou pela Ambiental, que é a responsável pela gestão de resíduos no município.
JP3 – Que mensagem gostaria de deixar?
Arthur – Que a gente olhe para nossos resíduos como fonte de renda, todos os resíduos recicláveis secos precisam chegar na cooperativa de reciclagem para gerar emprego e renda para muitas famílias. Movimentar a economia. A cadeia produtiva dos resíduos sólidos movimenta milhões, só que ainda é uma pena, porque os milhões estão indo para o aterro sanitário. Minha mensagem é que passemos a olhar os resíduos como um valor que a gente separe, encaminhe para a reciclagem e os resíduos orgânicos que desviemos de aterro…até porque se quisermos comer amanhã, temos que plantar hoje e para plantar, a terra precisa estar adubada, então todo esse excedente da nossa alimentação, de casca, de frutas, verduras, casca de ovos, isso não pode ir para a aterro sanitário, porque ali tem fósforo , potássio, nitrogenio, que o solo tanto precisa para nos fornecer alimento…que usemos essa cultura da separação, da responsabilidade compartilhada para resolver a gestão de resíduos das nossas cidades.