Depois de longos anos, ando relendo “Madame Bovary”, de Gustave Flaubert (1821/1880). É um dos romances mais célebres da extraordinária literatura francesa, conhecido e lido em todo o mundo, traduzido para inúmeros idiomas, analisado pela grande crítica, discutido, estudado. A edição que tenho em mãos foi publicada pela Editora Nova Cultural (S. Paulo – 2002) em tradução de Enrico Corvisieri. Publicado pela primeira vez em 1856, na França, o romance causou sérios problemas ao autor. Segundo seus biógrafos, foi aberto processo criminal contra ele porque o romance foi considerado imoral e atentatório aos bons costumes, acusações que pareceriam infantis e descabidas diante do que hoje se dá a público. Amargurado com a repercussão do caso, acabou absolvido. Faleceu com 58 anos.
A leitura do romance indica que Flaubert não foi um estilista. Não se demorava em acariciar as palavras como fazia seu conterrâneo Baudelaire. Suas frases em geral são longas em demasia, dificultando o entendimento do leitor, e o mesmo acontece com os parágrafos. Também não se preocupava muito com a repetição de vocábulos na mesma frase ou nas proximidades, prática evitada a todo custo pelos que escrevem. O uso de advérbios de modo terminados em mente é também frequente, fato que, para os críticos, denota pobreza vocabular. Por outro lado, é minucioso ao extremo nas partes descritivas. Paisagens, ambientes, situações, vestimentas de personagens, tudo é relatado nos menores detalhes. Os discursos proferidos pelos personagens nos festejos locais a que ele denomina de comícios são intermináveis e exigem esforço do leitor. Acontece fenômeno idêntico com os diálogos entre personagens. Isso tudo, no entanto, não invalida a qualidade da obra e a leitura é instigante e surpreendente. Como dizia Lima Barreto, até o gigantes das letras cometem seus pecadilhos.
“Madame Bovary” retrata um drama longo e silencioso vivido por uma mulher do Século XIX em uma aldeia do interior da França. Emma, moça muito linda, é de uma família de camponeses e se casa com o médico Charles Bovary, homem medíocre, apático e sem ambições, que só vive para o trabalho profissional. Não é capaz de perceber os anseios da mulher enquanto o tempo passa. Ela, então, põe a imaginação a funcionar e passa a viver outra realidade que não a dela. É o fenômeno que o livro popularizou no mundo inteiro – o bovarismo. Segundo os psicólogos, é uma tendência de fugir da realidade e imaginar para si uma personalidade e condição de vida que não possui e passa a agir como se possuísse. Ou seja, vive nas nuvens, como diz o povo. Segundo os historiadores da literatura, o lançamento do romance foi um acontecimento mundial.
Flaubert teve uma existência sofrida. Era sujeito a ataques de nervos, conforme o diagnóstico da época. Seu primeiro grande amor por Elisa Schlesinger, de Trouville, nunca se realizou. Louise Collet, com quem manteve um romance, faleceu alguns anos antes dele. Em 1849 realizou extensa excursão ao Oriente Médio para visitar as ruínas de Cartago, viagem que inspirou o romance “Salambô”, outro de seus grandes sucessos. Publicou muitas outras obras.
Diversos escritores brasileiros produziram obras iguais ou superiores às dele. A limitação da língua portuguesa, ainda que seja a mais bela e mais rica de todas, tem impedido sua universalização.
Em 1919, o engenheiro paulista José Maria de Toledo Malta (1885/1951) publicou o romance “Madame Pomery”, talvez inspirado na obra de Flaubert. Usou o pseudônimo de Hilário Tácito e o livro obteve grande repercussão. Descrevia com humor o encontro de figurões paulistas em luxuoso e célebre bordel na capital do Estado, ressaltando inclusive a grande quantidade de mulheres estrangeiras que vinham se prostituir na Paulicéia dos áureos tempos do domínio do rei café. O romancista pertencia ao grupo que gravitava em torno de Monteiro Lobato e da “Revista do Brasil”, o que lhe valeu resenhas de renomados analistas.