Neste sábado (25) é celebrado o Dia Nacional da Adoção. Nos últimos 4 anos, em Santa Catarina, 3.584 crianças e adolescentes foram reintegradas em suas famílias de origem e 1.975 crianças e adolescentes adotados por famílias.
Hoje são 239 crianças e adolescentes aptas à adoção no Estado e 3.042 pretendentes.
Diante dessa alta ‘demanda e procura’, aconteceu nesta quinta-feira (23) em Balneário Camboriú a Conferência Estadual: Adoção e Garantia de Direitos, na Univali, reunindo pais que já adotaram, pretendentes que aguardam para adotar, o Grupo de Estudos e Apoio à Adoção Anjos da Vida e especialistas na área de Direito, como a Promotora de Justiça Caroline Zonta e Juíza de Direito Camila Coelho.
Casal homoafetivo adotou menino de 10 anos
Jean Rodrigo Ramos, profissional de Educação Física, está com o companheiro Márcio, analista financeiro, há 15 anos. A vontade de exercer a paternidade sempre esteve presente nos dois, mas optaram por aguardar até se estabelecerem financeiramente e na rotina.
A decisão de adotar oficialmente veio em abril/2022, e em setembro daquele ano estavam oficialmente na fila para adotar.
Inicialmente, os dois haviam definido que queriam adotar uma criança com idade de zero a seis anos, independente do sexo e cor. Porém, quando fizeram o curso do Grupo Anjos da Vida, viram as várias possibilidades e formas de adoção e, no fim de 2022, decidiram pela adoção tardia (crianças mais velhas) e pelo sistema Busca Ativa, onde pretendentes aptos a adotar podem ver fotos e vídeos de crianças que esperam por uma família.
Em março/2023, após amadurecerem a ideia, viram que uma criança mais velha poderia lhes acompanhar de forma mais efetiva, ampliando o olhar para a adoção que não é o perfil de todos os casais.
“Solicitamos o Busca Ativa, e quando vimos o M. reconhecemos o nosso filho. Ele estava com 10 anos. Em abril/2023 manifestamos interesse por ele, e metade de abril o abrigo onde ele estava (em uma cidade da região de Balneário) entrou em contato conosco. Se preocuparam muito com a gente e com o M. Fizeram um álbum para ele com fotos nossas, com pessoas da nossa vida, o que fazemos, viagens que realizamos. Queríamos que ele entendesse que seriam dois pais, deixamos claro no abrigo isso, pois com 10 anos já tem entendimento de muitas coisas”, explica Jean.
Segundo o pai de M., a psicóloga do abrigo onde ele estava havia trabalhado com ele as diversas formas de família e ele nunca demonstrou preconceito com ter dois pais – pelo contrário, ficou feliz e aceitou.
A aproximação aconteceu de forma calma, com duas visitas semanais. Já em 26 de maio de 2023 o abrigo informou que Jean e Márcio poderiam levar M. para passar o fim de semana com os pertences do menino.
“Em 29/05 aconteceu a audiência com a advogada do Fórum da cidade de M. para definir a guarda provisória e ele já ficou com a gente. Houve visitas de psicóloga e assistência social e em 19/09 saiu a guarda definitiva. Fazemos um ano agora dia 29 de maio da guarda provisória”, diz.
Jean salienta que o Dia da Adoção e eventos como a Conferência Estadual servem para incentivar as pessoas que têm o desejo de adotar a buscarem esclarecer suas dúvidas e receios. No caso dele e de Márcio, os dois tinham o desejo de exercer a paternidade, independente de ser com um bebê ou uma criança maior.
“É muito importante esclarecer para outros casais e pessoas a importância do Busca Ativa – existem muitas crianças que tem o desejo de encontrar a sua família adotiva. Se você abre o leque de idade, o seu filho pode chegar logo. No nosso caso, foram 9 meses, literalmente uma gestação. Não existem só recém-nascidos, existem crianças, adolescentes, com um desejo muito grande de ter uma família. Têm grandes grupos de irmãos, crianças com mais de 10 anos, que querem uma família”, completa.
Famílias acolhedoras – novo projeto que beneficiará crianças e adolescentes
A advogada Flávia Oliveira Santos, professora e responsável pelo Escritório Modelo de Advocacia da Univali Balneário Camboriú, também é mãe por adoção e na quinta-feira (23) celebrou 11 anos de adoção.
Ela salienta que a Conferência Estadual, da qual foi uma das organizadoras, é ‘extremamente importante’ porque reuniu membros do Poder Judiciário falando sobre temas importantes além do conceito da adoção, como também números e a respeito do direito à convivência familiar, um direito constitucional de todas as crianças – seja na família de origem ou substituta (adotiva).
“Os membros do Poder Judiciário falaram sobre a entrega legal e também da família acolhedora, inclusive em Balneário foi aprovado projeto da família acolhedora – que permite que famílias cadastradas no município, habilitadas para tal, possam estar com as crianças que estão em vias de adoção ou recolocação na família de origem. Isso é por um tempo, enquanto a criança não vai para adoção ou volta para sua família de origem. Prevê remuneração das famílias cadastradas, que terão que ser habilitadas pela Secretaria de Assistência Social e Poder Judiciário”, pontua.
Flávia também cita a importância de desconstruir o padrão de procura apenas por bebês e usou de exemplo o caso de Jean e Márcio, que adotaram M.
“Infelizmente, as pessoas ainda têm receio de adotar crianças mais velhas. O bebê recém-nascido ainda é padrão da maioria de quem quer adotar, além de preferencialmente menina, por isso tem demanda maior de criança acima dos 6 anos, que esperam por família. Vale lembrar que é possível e acessível a adoção, não é bicho de 7 cabeças e estamos à disposição de quem deseja”, diz.
Promotora apresentou cenário de SC
A Promotora de Justiça Caroline Zonta foi uma das palestrantes da primeira noite de Conferência e em sua fala apresentou o cenário de crianças aptas à adoção em SC e dos pretendentes.
Hoje, há 239 crianças e adolescentes aptas à adoção no Estado e 3.042 pretendentes. Porém, entre os pretendentes, 522 querem crianças até dois anos, e somente 13 das 239 crianças têm essa idade; 987 pretendentes aceitam crianças até 4 anos, idade que só há nove para adoção; já dos 4 aos 6 anos há 1.009 pretendentes, para 14 crianças, dos 6 aos 8 são 399 pretendentes para 21 crianças; de 8 a 10 tem 89 pretendentes para 20 crianças; e 25 pretendentes que aceitam crianças dos 10 aos 12 anos para 21 crianças.
A maior faixa etária que espera por adotantes são os adolescentes (12 a 14 – 40, 14 a 16 – 48, maiores de 16 – 52), e há poucas famílias que os aceitam (12 a 14 – 5; 14 a 16 – 4; maiores de 16 – 2).
A situação se diferencia porque 55 crianças foram grupos de dois irmãos, 56 de três, 20 de quatro e 24 de mais de quatro – 1.340 pretendentes aceitam dois irmãos e apenas 43 aceitam mais de dois.
Além disso, há ainda 40 crianças que possuem deficiência intelectual e 48 que possuem outros problemas de saúde – sendo que 2.870 dos pretendentes de adoção não aceitam adotar quem tenha deficiência intelectual e 1.500 não aceitam outras doenças.
Caroline citou que é um direito da criança e do adolescente previsto na Constituição Federal (Artigo 227) de ter como absoluta prioridade o direito à convivência familiar e comunitária. Ela citou sobre a dificuldade das crianças viverem em suas famílias naturais e que chegam muitos casos em Balneário e Camboriú de famílias disfuncionais que não conseguem cuidar dessas crianças, seja por negligência, violência física ou psicológica e pontuou ainda que há um estudo da Fiocruz sobre os casos de denúncia/negligência contra menores que chegam a polícia são apenas 7% do total, com uma cifra negra preocupante.
Juíza destacou importância do apadrinhamento afetivo e família acolhedora
A Juíza de Direito, Camila Coelho, que também palestrou no evento na noite de quinta-feira, citou o cenário da maioria das crianças e adolescentes que estão disponíveis para adoção – vítimas de casos de violências sexuais, físicas, negligência, com pais biológicos usuários de drogas, vítimas de falta de cuidado de saúde ou ausência de pré-natal.
“São esses os casos que chegam à Vara e que buscamos resolver, 99% dos adotantes restringem muito sexo, cor, idade (até 4 anos), não aceitam doenças crônicas ou mentais. A fila é grande para crianças e bebês sem problemas de saúde. Aqueles com doenças crônicas como HIV, sífilis e até bronquite às vezes têm dificuldade. Há bebês disponíveis, inclusive um casal de gêmeos foi adotado recentemente, receberam alta do hospital nesta quinta-feira. Os pais estavam habilitados há um mês, pois não havia pretendentes, já que os bebês contraíram sífilis porque não houve pré-natal, ficaram na UTI e ainda haviam nascido prematuros”, relatou.
Camila citou ainda o apadrinhamento afetivo – pessoas que não são habilitadas, mas que podem assistir crianças e adolescentes, com o objetivo de inseri-las em famílias, dar momentos de lazer em fim de semana, férias, etc. Ela informou que houve três casos de adoção por padrinhos afetivos.
“Não é o objetivo, mas se ocorrer por vínculo afetivo, podemos concretizar a adoção. Há também as famílias acolhedoras, projeto que foi aprovado na cidade, para receber crianças e adolescentes que seriam acolhidos em instituições e que podem ser acolhidos provisoriamente em famílias acolhedoras para posterior adoção ou retorno para a família natural. É mediante remuneração, treinamento e capacitação, com todo amparo para cuidar e incentivo a voltar para a família de origem ou até mesmo para aproximação com adotantes, para desinstitucionalizar crianças e adolescentes, ter a experiência de estar em uma família e não na instituição”, acrescentou.
A juíza destacou também a importância das famílias pretendentes ‘ampliarem o olhar’ para crianças portadoras de deficiência e/ou outras doenças, pois há na espera por adoção autistas, crianças com quadro de TDAH, etc.
Camila analisou que há uma ‘piora geral’ na saúde mental das crianças, que possuem muitos transtornos, seja pelo uso excessivo de telas, exposição a entorpecentes e violências. Ela disse que no Brasil só há 200 psiquiatras especializados em atendimento infantil e que precisa haver mais, porque as crianças precisam desse suporte mais do que nunca.
Grupo Anjos da Vida atua há mais de 10 anos em prol da adoção em Balneário Camboriú
O psicólogo Luciano Estevão, do Grupo Anjos da Vida, é um pai por adoção porque, como ele mesmo define, encontrou o amor de sua vida, que já tinha quatro filhos. Ele entrou no Anjos da Vida em 2014 como voluntário e em 2016 como coordenador técnico e está ‘na luta’ pelas questões da adoção desde então.
“Todo ano fazemos esses eventos relacionados à adoção porque ainda, infelizmente, a gente precisa anunciar para todos os cantos de que a adoção é uma ação necessária, que tem muitas crianças ainda esperando uma família e muitas famílias querendo adotar também. E é aí que entram os grupos de apoio à adoção de todo o país. Um outro detalhe que a gente também divulga bastante, nesses eventos da adoção que infelizmente ainda se tem muito preconceito, muita discriminação, tanto por parte das famílias adotadas, das famílias que adotam, quanto por parte, principalmente, das crianças e adolescentes adotados sendo que é um ato tão lindo e normal! Ainda é um tema que precisa ser abordado mais, para que as pessoas tenham cada vez mais consciência da atitude adotiva que a gente precisa ter”, explica.
Luciano levantou também a bandeira da adoção tardia – ele relatou que nesse exato momento tem mais de três mil crianças e adolescentes ainda esperando uma família no Brasil e que no país tem mais de 30 mil famílias que querem adotar.
“Só que o perfil não bate, né? Porque esses pretendentes ainda querem bebês ou crianças até três anos, ainda querem meninas, enfim, tem um perfil específico dessas famílias. Só que essas crianças, esses adolescentes que estão lá esperando uma família, são maiores de oito anos. São crianças portadoras de deficiência, são negros, irmãos… Na nossa preparação para as famílias, a gente fala muito disso. As famílias que a gente prepara, acabam optando por um perfil maior, acima de cinco, de oito anos e mesmo adolescentes, já está mudando, mas ainda é um desafio”, acrescenta, pontuando que o objetivo do Movimento Nacional da Adoção é toda criança e adolescente estar em um lar.
Campanha nas escolas
O Grupo de Apoio e Estudos Anjos da Vida, localizado na Rua 2.000, no Centro de Balneário Camboriú, está aberto para toda e qualquer pessoa que queira adotar, ou toda e qualquer pessoa que já adotou, e toda pessoa que foi adotada.
Luciano salienta que estão com uma campanha nas escolas para que encaminhem as crianças adotadas que, por acaso, queiram algum tipo de atendimento.
“Nós temos um projeto que se chama Atitude Adotiva, acolhimento e acompanhamento das pessoas que querem adotar e das pessoas que já adotaram, incluindo seus respectivos filhos, crianças ou adolescentes. A gente tem uma equipe de psicólogo, pedagogo, assistente social e advogado para dar esse suporte, esse acolhimento. Nós temos um grupo, nós temos um projeto que se chama Foco Fan, que é formação continuada para as famílias adotivas, adotantes e acolhedoras, preparando essas famílias para receber essa criança, para continuar o trabalho com essa criança e esse adolescente que acabaram de adotar”, completa.