Quando Jorge Amado e José Saramago se conheceram já eram homens maduros e com a reputação de escritores consolidada. Tornaram-se amigos e mantiveram intensa correspondência até o falecimento do brasileiro. Na época da moda do fax muito o utilizaram, embora as cartas normais e os frequentes telefonemas os mantivessem sempre ligados. Também se encontraram inúmeras vezes pelas esquinas do mundo, como costumavam dizer. Saramago residia na cidadezinha de Tias, na Ilha de Lanzarote, pertencente à Espanha, e Jorge já estava acomodado na célebre Casa do Rio Vermelho, em Salvador, embora iniciasse sempre as missivas como enviadas da Bahia. Foi uma longa e sincera amizade com o mar por meio.
A correspondência entre eles teve início em 1992 e se estendeu até 1997. Todo esse material foi reunido, examinado e organizado por Paloma Jorge Amado, filha do escritor, Bete Capinan e Ricardo Viel e depois publicado no livro “Jorge Amado e José Saramago – Com o mar por meio – Uma amizade em cartas”, publicado pela Companhia das Letras e outras entidades (S. Paulo – 2017). É um belo livro-álbum, em tamanho grande, ilustrado com excelentes fotografias, entre elas algumas que se tornaram célebres, exibindo os dois romancistas juntos e em lugares diferentes. Muitas dessas cartas mereceram referências nos “Cadernos de Lanzarote”, de Saramago, em trechos que foram transcritos no livro. As páginas em que ele recorda a visita à Bahia e à Casa do Rio Vermelho são deveras comoventes. Ele escreve a um Jorge Amado que ainda considera vivo e não às cinzas que repousam debaixo da frondosa mangueira existente no pátio da Casa do Rio Vermelho e onde ele costumava sentar. É um livro tocante, revelando uma amizade sincera e desinteressada em que cada um torce pelo sucesso do outro, inclusive na fase em que ambos concorriam ao primeiro Nobel a autor de língua portuguesa segundo os comentários da época. O prêmio foi dado a Saramago e Jorge vibrou com a vitória do amigo e, mesmo doente, celebrou com a família depois de felicitar o vendedor.
As cartas são despidas de qualquer formalidade, embora contendo sempre o local de partida e a data, mas o leitor identifica de pronto seu autor em virtude do estilo personalíssimo de cada um. Tratam dos mais variados assuntos, inclusive da saúde, família, política local e mundial, problemas familiares e incontáveis viagens pelo mundo. A literatura, no entanto, é o assunto predominante, incluindo-se a vida literária com suas academias, entidades culturais, autores e obras. Revelam dois escritores ativos e antenados no que acontece no mundo das letras.
Dizem que dois escritores, em qualquer local, juntos ou separados, são rivais e até inimigos. Este livro desmente a afirmação e prova que eles se respeitavam e admiravam do fundo de suas almas, servindo de exemplo aos que agem de outra forma. Impressiona o carinho com que cada um deles escreveu sobre o outro. “Não tem metro que chegue para medir a estatura de um escritor chamado Jorge Amado” – disse Saramago. “Os Cadernos de Lanzarote encantaram-me. Os comentários não cabem num fax apressado. Ajudam a medir a estatura do cidadão que escreve romances, que recria a vida” – afirmou Jorge.
Para quem leu e acompanhou Jorge Amado desde sempre, é comovedora a foto de páginas inteiras (60/61) tirada por Otto Stupacoff, constante do acervo do Instituto Moreira Salles. Lá está ele, sentado a uma mesa tosca na praia do Rio Vermelho, tendo à frente a bengala e o chapéu de palha que tanto usou nas suas caminhadas. Sua fisionomia é a de um homem feliz com a vida e a obra que realizou.