Convidado a participar do III Manifesto Nheçuano, na cidade de Roque Gonzáles, no Rio Grande do Sul, estudei a melhor forma de realizar a complicada viagem e, com minha mulher a tiracolo, dei início a essa curiosa incursão pelas terras missioneiras. Em conjunto com a paciente Luciana, agente da Marjotur, estabelecemos o roteiro e partimos de Navegantes tomados pelo espírito de aventura e pela curiosidade de rever aqueles pagos já antes visitados há vários anos.
Partindo à tardinha, voamos até Porto Alegre, pousando no Salgado Filho, onde mudamos de terminal e embarcamos num pequeno avião Let 410, da NHT Linhas Aéreas, com capacidade para 19 passageiros, com destino a Santo Ângelo, a cidade de onde partiu a célebre Coluna Prestes que tanto impressionou o país. O avião fez uma escala em Santa Maria e lá se esvaziou, permanecendo a bordo apenas minha mulher e eu. Foi uma situação curiosa e que muito nos divertiu. Afinal não é sempre que um avião faz um longo trecho para conduzir apenas um casal em voo exclusivo. Vez por outra o comandante tirava a cabeça para fora da cabine e trocava algumas palavras conosco. Embora barulhento e um tanto lerdo, o aviãozinho viajou com bom tempo e ventos favoráveis, entregando-nos ilesos no destino por volta da meia-noite. Altivo, motorista do aeroporto, cidadão simpático e conversador, nos conduziu ao hotel e com ele combinamos outras andanças para os dias seguintes.
No outro dia, conduzidos pelo Altivo, rumamos para São Luiz Gonzaga, onde estabelecemos nosso acampamento. Instalados num hotel situado na ampla e arborizada praça central, percorremos a cidade e visitamos seus pontos mais importantes. Pela tarde, agora levados pelo motorista Jones, estivemos no Santuário do Caaró, local onde os índios guaranis, revoltados, eliminaram dois sacerdotes jesuítas. Em meio a um belo bosque existem uma igreja e mais instalações, além do marco no ponto onde teria ocorrido a morte dos religiosos e uma fonte cujas águas são famosas pelas propaladas propriedades curativas. Em seguida visitamos São Miguel das Missões, local das célebres ruínas da igreja jesuítica-guarani que centralizava uma das reduções dos 7 Povos das Missões. O que restou da igreja está preservado e permite uma ideia da grandiosidade daquele templo. Como conseguiram erigir tamanha obra sem ferro, cimento e outras técnicas modernas é de fato admirável. Vãos imensos e recurvos, pilares espessos, paredes tão largas que permitiam caminhar dentro delas, segundo afirmam. A torre remanescente ergue-se a uma altitude considerável e todo o monumento se destaca de maneira impressionante em meio ao vasto jardim gramado e florido. Nas cercanias existe o Museu das Missões (Pavilhão Lúcio Costa) e a Casa do Artesanato, local onde são vendidas incontáveis peças elaboradas pelos artistas populares da região. Tudo agora está sob administração do IPHAN e muito bem cuidado. É um local que reaviva na lembrança o que foram as Missões Jesuíticas e sua tentativa de catequizar os indígenas, resultando na imensa tragédia que acabou dizimando uma raça.
Nas noites de 11 e 12 de novembro participamos do Manifesto em Roque Gonzáles. O encontro foi muito concorrido e contou com a presença de escritores, historiadores, poetas e músicos, estendendo-se as sessões até tarde. Entre os que compareceram estavam Ruy Nedel, médico e historiador, ex-deputado; Odécio ten Caten, professor e escritor, homem de grande erudição; Ivaldino Tasca, jornalista e radialista; Antonio Cabrera, historiador e professor de guarani; Renato Schorr, advogado e escritor; Nelson Hoffmann, professor e escritor, orientador e consultor do movimento, além de sua filha Inês, poeta. Sem falar, é claro, dos organizadores, os jovens Giani, Marco, Júlio e Adriano. Nos debates foram abordados os objetivos maiores do Manifesto, quais sejam a revisão crítica da história regional e, em segundo plano, incentivar a cultura em todas suas manifestações. Ao final dos debates, deram-me a honra de fazer o encerramento.
No dia seguinte, o último na região, visitamos o monumento à Coluna Prestes, em Santo Ângelo, obra de Oscar Niemeyer, a estação ferroviária, onde funciona o Memorial e ponto de partida da Coluna, e a catedral da cidade, imenso prédio em estilo barroco e cor ocre, situado em meio a ampla praça. O motorista que nos conduziu residiu em Blumenau e passou o tempo todo suspirando de doloridas saudades.
Embarcados no aviãozinho da NHT, sobrevoamos os campos verdejantes e já com uma saudadinha dos dias passados entre gente tão acolhedora e simpática. Valeu!