Nos tempos obscuros que vivemos, com o nazifascismo crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil, é mais que oportuna a leitura do que Hitler fez com os judeus. Depois de longos anos, venho relendo o célebre “Diário de Anne Frank” (Best Bolso – Rio – 2017) que registra a fase trágica da vida de uma família judia durante a II Guerra Mundial. Nascida na Alemanha, Anne é forçada a se mudar com os pais para a Holanda, fugindo da implacável perseguição aos nazistas. Estava com 4 anos de idade. A fuga, no entanto, pouco resolveu porque os nazistas invadiram a Holanda e as perseguições recomeçaram com todo o rigor. É então que tem início uma fase estarrecedora da vida da jovem e seus pais.
Enquanto os judeus eram presos e enviados em vagões de gado para os campos de concentração e dali para a morte, Anne, os pais e mais cinco pessoas se escondem em um prédio situado à Rua Prinsengracht, 263, no centro de Amsterdã. Instalam-se em antigo escritório a que chamavam Anexo Secreto composto de várias peças cuja planta baixa aparece à pág. 39 do livro. E ali tem início uma vida infernal e absurda. As janelas em blecaute não permitiam sequer uma olhada para fora, os passos precisavam ser medidos para não fazer barulho, a comida era racionada e dividida em partes iguais, o sanitário servia a todos e os banhos não passavam de esfregação com panos molhados. Mesmo não gostando, as pessoas haviam de se tolerar, ainda que às vezes as brigas explodissem. Mesmo naquela situação limite, vinham à tona as antipatias, as implicâncias, a mesquinharia e as atitudes hipócritas. Havia até quem trapaceasse na repartição dos alimentos. Mas a guerra acontecia, os bombardeios se repetiam e os Aliados pareciam estar em vantagem como informava um aparelho clandestino de rádio que transmitia notícias desde a Inglaterra. Dois amigos não judeus se encarregavam de fazer as compras e outros serviços de rua. Pagariam caro por isso. O tempo passava e eles nutriam a esperança de lá permanecerem em segurança até o final da guerra. “Quando a guerra acabar…” – diziam com frequência.
Aos 13 anos de idade, amadurecida antes do tempo, Anne inicia um diário a que chamava de Kitty. Com admirável constância, vai registrando o dia a dia daquela vida absurda. Suas anotações têm início em 12 de junho de 1942 e vão até 1º. de agosto de 1944, ou seja, se alongaram por dois anos e dois meses. Através delas é possível sentir a angústia, a tristeza e o desespero em que ela e os demais sobreviviam enquanto a guerra marchava para o fim com a derrocada da Alemanha e os sonhos alucinados de um monstro. O noticiário positivo em favor dos Aliados alimentava a esperança daqueles segregados, mas o imprevisto aconteceu. Algum fanático delatou a presença deles no Anexo Secreto. Como ficou registrado, “na manhã de 4 de agosto de 1944, entre dez e dez e meia, um carro parou na Rua Prinsengracht, 263. Dele saíram várias figuras: um sargento da SS uniformizado, Karl Josef Silberbauer, e, no mínimo, três membros holandeses da Polícia de Segurança, armados, mas com roupas civis… Eles prenderam as oito pessoas que estavam escondidas no Anexo Secreto, além dos amigos que as ajudavam.” Todas tiveram destino trágico e só Otto, o pai de Anne, sobreviveu. Ela e a irmã, Margot, morreram de tifo no campo de concentração de Bergen-Belsen no final de fevereiro de 1945. O sargento Karl Josef teve ter inflado de orgulho pelo serviço realizado para a glória da pátria nazista e seu nome ficou na história dos notáveis monstros da humanidade. Os demais nem mereceram receber um nome.
O diário de Anne Frank é um dos livros mais lidos em todo o mundo. Vale como um grito em defesa da vida e da liberdade. Deveria ser lido pelos inocentes úteis que pregam o extremismo e a ditadura. Talvez aprendessem alguma coisa.