Até para quem não é nativo ou vive aqui há muitos anos, o desenvolvimento acelerado de Balneário Camboriú está visível nas mudanças que não páram de acontecer.
A busca por espaço em uma área de apenas 50 km2, onde vivem cerca de 150 mil pessoas, em uma infraestrutura que muitas vezes pede socorro, continua dependendo da verticalização, adotada nos anos 70 e que nos últimos anos começou a procurar alternativas, como derrubar construções antigas para erguer mais um arranha-céu.
É uma espécie de BC 3.0, a terceira onda, que começou com casas de veraneio, passou por prédios de 20, 30 andares e agora tem o céu como limite.
A verticalização tornou-se uma disputa do ‘quanto mais alto melhor’, e Balneário Camboriú hoje concentra os 10 maiores prédios e ostenta o metro quadrado mais caro do país, uma situação que traz consequências sérias como, por exemplo, a mobilidade urbana e o rio poluído que ameaça as praias que são nossa principal atração turística.
Diante desta realidade e no mês em que o município comemora 60 anos, a reportagem do jornal Página 3 colheu a opinião de três pessoas que têm experiência e conhecimento, seja na iniciativa pública ou na privada, sobre questões que envolvem planejamento e desenvolvimento urbano: os engenheiros Rubens Spernau e Edson Kratz e o arquiteto Gabriel Gallarza.
Acompanhe:
Rubens Spernau: “O futuro em BC sempre se mostra mais presente do que em qualquer outro lugar do nosso estado”
“O futuro em Balneário Camboriú sempre se mostra mais presente do que em qualquer outro lugar do nosso estado. É irônico mas é verdadeiro.
Isso não se reflete só aqui, mas em toda nossa região, que sofre muitas mudanças, que é muito dinâmica, que cresce numa velocidade que para o gestor urbano é até um pouco além daquilo que se vislumbra como ideal para se preparar uma cidade para as mudanças, ou seja, as mudanças são tão intensas que a cidade tem dificuldade de acompanhar em termos de infra estrutura e de transformações para fazer frente aquilo que traz de demanda negativa.
As mudanças quase sempre são positivas, mas trazem alguns componentes que precisam ser enfrentados pela infra estrutura urbana.
O que espero para o futuro da nossa região é que a gente consiga enfrentar essas dificuldades de infra estrutura, desde os elementos básicos, como recursos hídricos, saneamento, mobilidade, segurança, as questões sociais, que consigamos manter a qualidade de vida ou acelerar…
Isso tem sido feito, BC tem enfrentado bem os seus problemas com o dinamismo que a cidade tem tido nos últimos anos, mas é um desafio constante e o caminho que vejo para isso também está sendo adotado em BC: as parcerias entre o setor público, privado, como a que tivemos para o aterro da nossa praia, senão com certeza não teríamos avançado nesse item…e assim em tantas outras coisas e algumas estão em desenvolvimento inclusive…
Que isso seja cada vez mais intenso. Que a iniciativa privada de fato se engaje e que o setor público seja receptivo a isso, entenda que o setor privado é um parceiro de todas as horas, não só na pagamento dos tributos, mas na busca de soluções.
Com os empresários que temos na região, tenho certeza que isso acontecerá e que vamos evoluir para uma cidade com cada vez mais condições de avançar e enfrentar seus problemas.
É isso que espero para a cidade e que as pessoas sempre estejam no centro de todas as soluções e discussões e o foco seja de fato voltado às pessoas que são a razão maior da cidade existir”.
Rubens Spernau é engenheiro, ex-prefeito de Balneário Camboriú, onde mora desde 1979,atual secretário de Planejamento.
Gabriel Gallarza: “A cidade do futuro deve buscar que cada vez mais o incluir seja pertencer”
“O futuro de Balneário Camboriú depende de um planejamento urbano que garanta o direito a uma cidade mais equilibrada ambientalmente, e uma cidade mais justa, inclusiva e democrática socialmente.
Para uma BC do futuro devemos rever o modelo de cidade que estamos adotando, que é uma cidade do século passado, especulativa, rodoviarista, hiper capitalista, e devemos agregar os novos paradigmas que estão postos no debate contemporâneo e assumir a sério as complexidades inerentes a questão urbana.
Como por exemplo, a hiper valorização do novo em comparação à precarização da gestão e manutenção das estruturas já existentes, incluindo aí a própria preservação dos recursos naturais.
Além de criar sempre o novo, devemos pensar numa cultura urbana do cuidado também. Cuidar das pessoas e da casa-cidade.
Um futuro ideal não é o pregado pelos anacrônicos gestores quando falam em desenvolvimento urbano, mas sim um futuro de Envolvimento urbano, onde cada vez mais se incluam debates para uma cidade mais harmoniosa entre seus moradores e seu ambiente.
O futuro ideal para nossa cidade passa – obrigatoriamente – por incluirmos o debate de um novo modelo de cidade, pois este que está aí é um modelo falido e excludente, servindo cada vez mais a menos beneficiados.
O planejamento urbano, através do plano diretor, deve atender às políticas urbanas fundamentais, visando o bem estar das populações urbanas e não simplesmente atender ao mercado imobiliário, o que tem sido uma tônica no urbanismo global e que aqui em BC ficou espetacularizado.
Quando falo em população urbana, devemos pensar num amplo e irrestrito grupo de pessoas, tanto os moradores da quadra-mar e dos novos empreendimentos imobiliários, historicamente já contemplados pela gestão municipal, mas também aqueles moradores das áreas alagáveis, encostas de morros, pessoas em situação de rua, que seguem sendo marginalizados e deixados em último plano.
Incluo, também, no grupo dos moradores os seres vivos não humanos, os rios, o mar, as árvores, o mangue, a restinga, os animais… devemos pensar numa cidade que considere a participação fundamental e estruturante de todos, vide as mudanças climáticas que aí estão e cada vez mais atuantes.
A cidade do futuro deve buscar que cada vez mais o incluir seja pertencer. Entender que a cidade só será realmente agradável se assim for para todes, com seus múltiplos interesses e necessidades.
E que a cidade que queremos viver é a cidade gentil, aquela que promove a diversidade de ideias, a valorização do patrimônio cultural, o encontro no espaço público, a educação para a cidadania, a vida comunitária, o equilíbrio ambiental e social, e que garanta um futuro saudável e harmônico não só para a nossa geração, mas para quem vier depois de nós.
Devemos lutar pelo direito de sonhar uma nova utopia de cidade, e entender que a cidade não é feita somente pelos gestores, mas por todos nós e por isso devemos conquistar e assumir nossa cidadania ativa e construirmos juntos a cidade que queremos viver”.
Gabriel Gallarza é arquiteto, urbanista, produtor cultural e ativista urbano.
Edson Kratz: “Uma boa cidade é feita de lugares para pessoas”
“A maior vocação que a cidade tem é o despertar do desejo de viver aqui. Por quê? Porque é uma cidade com lugares de múltiplos usos, múltiplas atratividades. É uma cidade de um adensamento que faz muito bem para as pessoas, inspira as pessoas. Faz com que as pessoas se aproximem, andem lado a lado. Sempre vou falar de lugares para as pessoas, é isto que precisamos proporcionar cada vez mais, buscar cada vez mais oportunidades de novos lugares.
Um novo lugar pode ser um grande parque, um parquinho, um grande centro comercial, uma esquina viva, uma rua bonita, um prédio bonito, interagindo com a cidade, esses lugares Jaime Lerner chamava de acupuntura urbana, isto é: transformação de pequenos lugares com toda uma dinâmica, enraizamento cultural, buscando a sua história…
BC é uma cidade dinâmica que está todo dia se requalificando, se reinventando e isso não podemos perder, porque despertamos nas pessoas essa sensação.
BC é uma cidade cada vez mais acolhedora. temos políticas de acolhimento das pessoas. A nossa população é gentil, bonita, variação de idades, de experiências, pessoas extraordinárias, uma cidade cada vez mais intensa e de espaços para as pessoas.
É fundamental que essa cidade tão jovem e que pretende chegar tão longe com uma qualidade cada vez maior, deu recentemente uma demonstração de um amadurecimento invejável para muitos municípios do Brasil e do mundo: a proteção da nossa orla.
Há 30 anos a gente vem discutindo isso, começou lá no mundo acadêmico, lá na Univali e em 2021, fizemos uma proteção da orla da Praia Central. Esse é indubitavelmente o nosso maior ativo, não existe uma única pessoa nessa cidade que está aqui se não tenha uma razão de estar aqui, por causa da nossa praia. Aquilo que os germânicos, os alemães de Brusque, Blumenau, visualizaram nos anos 40, 50 e depois foi esse despertar do mundo com os olhos para nossa cidade, é a nossa enseada a nossa Praia Central. Deus quis que ela tivesse um desenho extraordinário, e a gente protegeu.
E agora estamos colocando obras de resiliência desse lugar, isso é amadurecimento, é responsabilidade de governantes e das pessoas da cidade.
Antes ainda vamos fazer as obras de macrodrenagem e assim transmitir para as pessoas e para o mundo que nos observa, que vamos dar resiliência e depois fazer ali um novo lugar, um grande parque para as pessoas.
Ali está uma prova indubitável de que as ações da cidade convergem para as pessoas. Ninguém pensou em aumentar pistas para carros, a não ser uma via de transporte coletivo e de serviço. O restante é área de proteção, de arborização, de vegetação de restinga e de equipamentos para as pessoas.
Temas que eu proporia para a cidade que tem vocação de atrair as pessoas:
1 – O mais importante e fundamental para sobrevivência das nossa cidade: proteção das encostas, das morrarias, que são mais de 30% do território do município.
Temos extensas morrarias no centro de BC, começando pelo Morro do Careca, Serra do Ariribá, todo costado do Bairro das Nações, do Bairro dos Estados, no outro lado, toda morraria do Parque Bandeirantes, no Barranco tem uma montanha de 250mil metros ao lado do Centro de Eventos, que pode ser uma extensão do Parque Cyro Gevaerd. Na entrada do Estaleiro tem um parque que pode ser o mirador da montanha, onde era a jazida de pedras da Sultepa quando foram executadas as obras da BR-101. Curitiba fez isso, nós temos um idêntico, maravilhoso num terreno olhando para o mar…Temos a APA, que por si só, já é uma área de preservação, lá as pessoas estão protegendo aquele local diuturnamente, mas precisamos de ações políticas fortes de desenvolvimento de oportunidades de negócios e de proteção natural para essa morraria. De que forma?
Incentivando e buscando parcerias público-privadas, criando grandes parques urbanos, começando pelo maior de todos, o parque do Cristo Luz. Ele pode ser o maior parque da área central, a gente não vê invasão em parque, ninguém vê uma única invasão no Parque Unipraias…
Então o poder público, a cidade inteligente, o mundo pensante dessa cidade deve olhar para essas morrarias como áreas de segurança e proteção para as pessoas, de proteção ambiental, de equilíbrio ambiental, de preservação e respeito aquilo que Deus nos deu.
Penso que essa BC 2030, 2040, 2050, o além para tudo são grandes parques urbanos e para criá-los precisamos buscar esses investidores, dar estabilidade política, jurídica e comportamental para que venham e a cidade receba esses investimentos.
2. Além da criação dos parques urbanos, olhar mais para o turismo de experiências, turismo de negócios;
3. Uma cidade do conhecimento, antes da pandemia tínhamos aqui cinco universidades. Por quê não podemos continuar avançando?
4. Uma vocação que está surgindo aos olhos de todos nós, BC já é e será cada vez mais uma referência na área médica, capitaneado muito pela competência, ousadia e eficiência da Unimed, mas também do poder público com assistência básica, e de outras organizações da área de saúde,
5. Buscar segurança hídrica, temos um rio que nasce em Camboriú e deságua em BC, que ter um comportamento ambiental para que ele continue produzindo água. A cidade não pode mais continuar por ela só, isoladamente, precisamos de políticas claras de micro regionalização ou de regionalização, conversar mais com os municípios vizinhos porque a nossa qualidade vem da qualidade dos vizinhos
6. Esse sonho que sonhamos e ajudamos a construir também precisa ser uma cidade inclusiva…e o plano diretor vem nesse sentido, abrir possibilidade de fazermos moradias sociais para que aqueles que ajudam a construir essa cidade possam nela morar. Além de toda rede de proteção social que temos, essa é a oportunidade de fazer um lugar para as pessoas que constroem a nossa cidade”.