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PERSONAGENS DE “GRANDE SERTÃO: VEREDAS”

10/06/2024 | Clic, Enéas Athanázio

Foi uma experiência das mais curiosas a leitura de “Os Personagens de Grande Sertão: Veredas” (André Quicé Editor – Brasília – 1982), de autoria do escritor Napoleão Valadares.  Ele revela grande intimidade com o monumental romance de Guimarães Rosa, conhecendo em detalhes tudo que nele acontece e identificando cada personagem, até mesmo aqueles que são apenas citados pelos seus traços distintivos, físicos e mentais. Como são incontáveis, é fácil avaliar o trabalho de pesquisa levado a efeito pelo autor para colocar em ordem alfabética todos aqueles indivíduos que se cruzam e entrecruzam no curso da estória. Por outro lado, impressiona a fertilidade inesgotável da imaginação de Guimarães Rosa. Suspeito que tanto esforço tenha contribuído para seu precoce falecimento.

Figura trágica e triste é José dos Alves. Famintos, depois de longa jornada, os jagunços o encontraram na volta do Liso do Sussuarão. Tão feio e desconforme que o julgaram um macaco, mataram, assaram e comeram. Depois, observando que não tinha rabo, concluíram que se tratava de uma pessoa, mas já era tarde. Em seguida a mãe do infeliz aparece por ali

Misterioso é o Jisé Simpilício que já vinha se parando de rico.  Dizia o povo que ele mantinha em casa, preso, um satanazim miúdo que o ajudava nos negócios. O satanazim tudo permitia a ele, exceto montar. Isso não!  Agora, que seria o tal satanazim? Muito pequeno para ser um saci.  É um mistério.

Inesquecível também é o jagunço Felisberto. Tinha encravada na cabeça uma bala de cobre ou chumbo, não sabia por quem, e que era inoperável. Por isso, de vez em quando sua cara ficava verde ou azul em consequência do zinabre. E o pobre nada podia fazer, exceto se conformar e esperar. Jõe Bexiguento, apelidado de Alparcatas, estava há seis anos na jagunçagem; era antigo na luta. Sofria de erisipela e de asma, mas, em compensação, “sabia reza contra mal vago” e “era homem de estranhez em muitos seus costumes” – escreveu Rosa. Jazevedão, por sua vez, era um delegado profissional temido, que Riobaldo conheceu num trem em que viajava para Sete Lagoas. Seu método, para obter confissão, consistia em pisar com seus pés descomunais, calçados de sapatões ferrados, sobre os pés do suspeito. Não havia quem resistisse. Ele tinha “cara de homem fornecida de bruteza e maldade” – afirmou o romancista.

Maria Mutema é figura de outro caso, contado por Jôe Bexiguento. Ela matou o marido derramando chumbo derretido pelo ouvido enquanto ele dormia. Mais tarde, feita a exumação, constatou-se que o chumbo, agora frio, chacoalhava no crânio do infeliz. Depois de importunar o padre, ela foi condenada e então, para geral espanto, virou meio santa e diziam que operava milagres. Ana Duzuza, mãe de Nhorinhá, “puta e bela”, no dizer de Rosa, com quem Riobaldo teve um caso. Enviou uma carta a ele que levou uns oito anos para chegar ao destino. Velha e desdentada. Duzuza talvez fosse filha de ciganos e era quiromante. Surge ainda uma Rosa’uarda, moça de Curralinho. Filha de Assis Wababa e Abadia (turcos). Namorada de Riobaldo, a quem chamava de “Meus Olhos.”

Os nomes da fauna humana que habita o romance são de impressionante criatividade. Vejamos alguns deles:  Batata-Roxa, Catôcho, Dagobé, Fonfredo, Izina Calanga, João Goanhá, Nhão Virassaia, Pacamã-de-Presas, Pescoço Preto, Piolho-de-Cobra, Quelemém, Rasga-em-Baixo, Sangue-de-Outro, Testa-em-Pé, Zé Beiçudo e inúmeros outros.

Para completar, seriam necessárias algumas notas sobre as figuras de destaque, os chefões da jagunçagem. Isso, porém, alongaria este artigo além dos limites do razoável. Fica para outra oportunidade.

O livro de Napoleão Valadares é um excelente auxiliar para quem pretenda dominar a obra-prima de Guimarães Rosa.

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